quinta-feira, 22 de maio de 2014

Terá a ciência moderna nascido com os Descobrimentos portugueses, antes de Copérnico e Galileu? Walter Alvarez defende que sim.

Walter Alvarez, geólogo norte-americano
Professor na Universidade de Berkeley, Califórnia, E.U.A.

Descobri esta interessante entrevista no jornal “Público” de hoje, uns minutos antes de dar uma aula sobre a filosofia da ciência de Thomas Kuhn. Claro que acabei por me referir a ela, nomeadamente a propósito do conceito de “revolução científica”.
Prometi aos meus alunos que faria um post sobre o assunto. Aqui fica, então, um excerto da entrevista:

O título da conferência que vai apresentar em Serralves é O Estudo da Grande História – Supercontinentes, e como Portugal Inventou a Ciência. Presumo que a última parte se refira aos Descobrimentos, mas acha mesmo que marcam o início da ciência ou está a forçar o argumento para ser simpático?
Normalmente, as pessoas acham que a ciência moderna começou com Copérnico e Galileu, com Kepler e Newton. O cientista português Henrique Leitão e eu temos trabalhado juntos a partir da ideia de que talvez Portugal tenha sido o lugar onde a ciência moderna se iniciou.
Uma hipótese séria, portanto?
Absolutamente. Não estou a brincar. Quer que o convença?
Faça o favor.
Numa revolução científica, e acho que os Descobrimentos foram uma genuína revolução científica, o que acontece é que alguns conceitos antigos se mostram errados e entra em cena um novo conceito. Darwin fez isso ao perceber que as espécies se formam por selecção natural, e Einstein também o fez, mostrando que Newton só tinha razão parcial e que a sua teoria não funciona quando lidamos com objectos que se movem mesmo muito depressa. No meu campo, o da geologia, tivemos duas revoluções científicas nos últimos 30 ou 40 anos. Com a tectónica de placas provou-se que os continentes se movem, e isso leva-nos aos tais supercontinentes de que falarei na conferência: agora os continentes estão aqui e ali, mas há 200 milhões de anos, o que até nem é assim tanto tempo, estavam todos juntos num supercontinente…
…mas voltando aos Descobrimentos, que conceitos é que as expedições atlânticas vieram pôr em causa ?
Numa revolução científica, as ideiam mudam, e foi isso o que aconteceu em Portugal nos séculos XV e XVI. Antes dos navegadores portugueses, os europeus recuavam a Cláudio Ptolomeu e pensavam que o Oceano Índico era completamente fechado, como um lago enorme, ao qual não se podia chegar navegando. Os portugueses mostraram que era possível atingi-lo por mar contornando a costa africana. Ou seja, todos os mapas baseados em Ptolomeu estavam simplesmente errados. Como geólogo, interessa-me a Terra, e isto era uma grande descoberta acerca da Terra.
Numa revolução científica também se desenvolvem novos instrumentos e técnicas, e foi o que os portugueses fizeram, com as caravelas e outros barcos, ou com a invenção do astrolábio. E quer outro argumento? Todas as ciências têm uma base matemática forte, e no tempo dos Descobrimentos existiu um grande matemático, Pedro Nunes. Temos cartas de matemáticos ingleses da época que dizem que ele é o maior matemático vivo. O que Nunes fez foi calcular como se pode navegar no mar alto, no Atlântico. No Mediterrâneo era fácil, ninguém se perdia. Só Ulisses é que andou lá perdido uns 20 anos...
(...) O que acontece numa revolução científica é que é tudo tão emocionante que mal se consegue suportar a excitação. As pessoas aprendem coisas novas e não conseguem esperar para partilhar o que descobriram. Há uma atmosfera eléctrica nos encontros científicos. Henrique Leitão convenceu-me de que foi isso que aconteceu em Portugal durante os Descobrimentos. Estive nos Jerónimos e vi aqueles extraordinários motivos decorativos, com animais, pássaros, cordas, esferas armilares. Deve ter sido tudo tão emocionante, sobretudo depois de uma Idade Média em que as coisas mudaram pouco e devagar. Estou convencido de que foi mesmo uma revolução científica, e como geólogo gosto de pensar que foi uma revolução geológica que inaugurou a ciência.”
Nota: a entrevista pode ser lida na íntegra clicando aqui.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

"Marginalidade e alternativa - Filósofas dos séculos XX e XXI": colóquio na FLUL


Marginalidade e alternativa
Filósofas dos séculos XX e XXI

COLÓQUIO dias 29 e 30 de Maio
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Dia 29, quinta-feira

9:30 – Abertura
10:00 – Adela Cortina –Martha C. Nussbaum: vulnerabilidad y justicia
Moderadora: Mª Luísa Ribeiro Ferreira
10:45 – Pausa
11:00- 13:00
Maria Essunger - ‘God is dog in the English mirror’ – Hélène Cixous and the performative power of writing
Sandra Escobar – Adriana Cavarero: A teia de Penélope: a subjectividade feminina nos fios de uma outra narrativa
Moderadora: Cristina Beckert
13:00 - 14:30 - Almoço das conferencistas
14:30 – 15 : 45
Cíntia de Godoy - Val Plumwood: feminista ecológica crítica
Cristina Beckert - Mary Midgley e a natureza da “natureza humana”
Moderadora:Teresa Ximenez
15:45 - Pausa
16:00
Monserrat Galceran - El vitalismo feminista de Rossi Braidotti
Moderadora: Mª José Vaz Pinto

NOTA: O presente colóquio realiza-se no âmbito da linha de investigação “História da Filosofia” do CFUL. A entrada é livre, embora a entrega da documentação completa e do certificado de presença deva ser feita mediante o pagamento de 5 €.

Dia 30, sexta-feira

10:00 -11:00
Evelyne Guillemeau - Elisabeth de Fontenay, ou La passion de l’intranquillité
Maria Pereira de Almeida - Será a mudança uma alternativa à diferença? Um diálogo teórico com Vandana Shiva
Moderadora: Cíntia de Godoy
11:00 – Pausa
11:15 – 13:00
Teresa Ximenez - Philippa Foot: Porque somos morais? A racionalidade da moral
Sofia de Melo Araújo - " Harlequin romances for highbrows": a narratividade e as margens em Iris Murdoch
Joana Gameiro - A condição feminina no Pensamento Maternal de Sara Ruddick
Moderadora: Fernanda Henriques
13:00 - 14:30 - Almoço das conferencistas
14:30 – 15:45
Maria José Vaz Pinto - Simone Weil filósofa: a reflexão sobre os valores
Maria Teresa López de la Vieja - Filosofía con otra perspectiva: Jeanne Hersch
Moderadora: Mª Luísa Ribeiro Ferreira
15:45 -16:00 - pausa
16:15 – 17:30
Margarida Amaral - Hannah Arendt: um olhar marginal sobre quatro temas transversais
Marília Rosado Carrilho - A marginalidade de Maria de Lourdes Pintasilgo: uma não filósofa entre as filósofas
Moderadora: Teresa Ximenez
17: 30 – 18:30
Maria do Céu Pires - A razão cordial em Adela Cortina - ou sobre a possibilidade de uma razão inclusiva
Mª Luísa Ribeiro Ferreira - Victoria Camps e uma nova ética para o século XXI
Moderadora: Fernanda Henriques

terça-feira, 13 de maio de 2014

Será a astrologia uma ciência? Claro que não, diz Karl Popper




CLÁUDIA:  Pelo que ouvi, podemos concluir que Karl Popper foi um filósofo muito inovador. Diz-me uma coisa: se tivesses de escolher de entre os seus contributos originais para a filosofia da ciência, que aspectos destacarias como mais importantes?

CARLA:       Hum, deixa cá pensar... Talvez destacasse três aspectos, que até estão interligados.

MARCO:      Qual o primeiro?

CARLA:       O primeiro é, sem dúvida, o facto de ter mudado o critério de cientificidade.

CLÁUDIA:  Que palavrão! Que é que isso significa?

CARLA:       É muito simples. O critério de cientificidade é aquilo que permite dizer que determinado enunciado é científico.

CLÁUDIA:  Já percebi! É uma espécie de “certificado de garantia”: certifica que a teoria que obedecer a esse critério é científica de certeza.

CARLA:       Sim, é essa a ideia. Ora, no método científico simples o critério era a verificabilidade. De acordo com o critério de verificabilidade, podemos afirmar que uma teoria é científica sempre que ela foi verificada experimentalmente, isto é, foi confirmada por um grande número de experimentações.

CLÁUDIA:  Para Popper não é esse, claro...

CARLA:       Pois não. Ele propõe como critério de cientificidade a falsificabilidade. De acordo com este novo critério, uma conjectura só deve ser considerada científica se enunciar com rigor e clareza as condições em que pode ser falsificada. É essa disponibilidade para poder ser refutada que, segundo Popper, caracteriza o verdadeiro espírito científico.

MARCO:      Muito bem. E a segunda inovação?

CARLA:       A segunda decorre da anterior: Popper fornece-nos um critério claro para distinguir uma hipótese científica de uma não científica.

MARCO:      Qual é esse critério?

CARLA:       O critério é este: para uma hipótese ser considerada científica é necessário que essa hipótese possa ser refutada por meio de testes rigorosos. Popper recomenda que formulemos as teorias de maneira tão clara quanto possível, de modo a expô-las à refutação sem ambiguidades. O cientista não se limita a apresentar a sua conjectura; deve também enunciar aquilo que, no caso de acontecer, prova que a sua conjectura é falsa. E depois vai realizar os testes, exactamente para ver se acontece aquilo que era suposto não acontecer.

CLÁUDIA:  Ou seja, vai tentar encontrar cisnes negros...

CARLA:       Já vi que percebeste. É dessa forma que uma teoria genuinamente científica se coloca permanentemente em risco. A ideia é esta: quanto mais falsificável um enunciado for, mais útil é à ciência. Mas, para ser falsificável, ele não deve ser vago: tem que ser claro e directo.

MARCO:      Dá-me um exemplo.

CARLA:       Imaginemos que são cinco para o meio dia. Neste caso, o enunciado “É meio dia em ponto” é falso. Apesar disso, contém mais informação e revela-se mais útil do que este: “Estamos entre as dez da manhã e as quatro da tarde”. Algumas conjecturas utilizam este “truque” (a vagueza) para passarem por científicas.

MARCO:      Referes-te a quê?

CARLA:       Refiro-me à astrologia, por exemplo. Já repararam que as previsões dos astrólogos são sempre vagas? Isso permite encontrar posteriormente alguns acontecimentos que, eventualmente, “encaixem” na previsão feita.

CLÁUDIA:  Pois é, tens razão. Se um astrólogo previr, para o próximo ano, que vão acontecer desgraças num país europeu, quase de certeza que acerta. Mas se ele dissesse exactamente que desgraça seria e qual o país onde ela se iria verificar, então seria facílimo saber se a previsão era ou não verdadeira.

MARCO:      Quer isso dizer que, para Karl Popper, a astrologia não é uma ciência...

CARLA:       Exactamente. Mas não é por ter falhado nas previsões que o astrólogo não merece ser considerado cientista. Isso é absolutamente irrelevante! A razão é esta: as hipóteses astrológicas não são formuladas com clareza e precisão e não indicam quais as circunstâncias em que se pode provar que são falsas; como não se conhecem os factos capazes de as refutar, não é possível testá-las; como não são susceptíveis de testes, as hipóteses da astrologia não são científicas. É por isso que a astrologia, à luz deste critério, é considerada uma pseudociência.

MARCO:      Para concluir: qual é a vantagem de existir esse critério de demarcação entre ciência e não ciência?

CARLA:       Como já afirmei, quanto mais falsificável for um enunciado, mais útil à ciência ele é. Enquanto que uma hipótese não falsificável é inútil para a ciência, uma hipótese falsificável é sempre de grande utilidade. Se não passou nos testes de falsificabilidade, leva os cientistas a formularem outra hipótese que resista melhor; se passou nos testes, a teoria merece ser levada a sério.

MARCO:      Tinhas falado em três aspectos particularmente importantes que, na tua opinião, se podem encontrar na filosofia da ciência de Karl Popper. Já apresentaste dois: a mudança de critério de cientificidade e o critério de demarcação entre ciência e não ciência. Só falta o terceiro...

CARLA:       Que está intimamente relacionado com os anteriores e que é este: ele defende uma nova concepção da ciência, bastante diferente da concepção que tradicionalmente se ensina nas escolas.

CLÁUDIA:  Qual a principal diferença?

CARLA:       A principal diferença é esta: a ciência deixa de ser visto como um conhecimento inequivocamente verdadeiro e passa a ser encarado como um conhecimento aproximado. Há dois aspectos em que esta mudança se torna evidente. O primeiro é este: enquanto que segundo a perspectiva tradicional da ciência o conhecimento é constituído por «leis», na concepção de Popper fala-se de «conjecturas». O segundo aspecto tem a ver com as expectativas da ciência: segundo a perspectiva tradicional, a ciência aspira à verdade; para Popper, no entanto, a expectativa é bem mais modesta: uma vez que foi posta de parte essa ilusão de uma verdade indiscutível, o objectivo da ciência é a construção de conjecturas concebidas para serem melhores do que as conjecturas (ou teorias) anteriores.

CLÁUDIA:  Ou seja: nunca saberemos com toda a certeza se uma teoria é verdadeira, apenas podemos saber que é melhor que a anterior.

CARLA:       Exactamente. É por isso que prefere falar em «aproximação à verdade».


in CAFÉ, Carlos, Eles não sabem que eu sonho… — Um jovem poeta no país da Ciência, 3ª edição, Porto, Edições Asa, 2005

E agora algo completamente diferente: as teses de Popper ilustradas pelos Gato Fedorento

Divirta-se ;)

Professor Chibanga: previsões para 2007



Professor Chibanga: previsões para 2010