quinta-feira, 25 de novembro de 2010

A FILOSOFIA SERVE PARA ALGUMA COISA? A resposta de Stephen Law.


No programa Câmara Clara, da RTP 2, foi exibida uma entrevista ao filósofo inglês Stephen Law conduzida por Aires Almeida, onde se discute a utilidade da filosofia. Saiba mais no blogue de notícias da Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes em

http://esmtgnoticias.blogspot.com/2010/11/esmtg-referida-na-tv.html

domingo, 21 de novembro de 2010

A FILOSOFIA SERVE PARA ALGUMA COISA? A palavra aos alunos.



A pretexto do Dia Mundial da Filosofia, quis saber o que pensam alguns dos jovens a quem a disciplina se destina no secundário. Coloquei a questão aos meus próprios alunos. Os pequenos textos que se seguem foram retirados de testes em que a pergunta foi feita ou de textos enviados por alunos expressamente para assinalar o dia. Aqui ficam os depoimentos, com um agradecimento aos seus autores.

A FILOSOFIA…

É algo de importante. Antes de ter filosofia pensava que não ensinava nada de especial, mas enganei-me acerca disso, a filosofia ensina a pensar. Quer dizer, antes de ter filosofia já sabia pensar, mas a disciplina fez-me pensar melhor, de outras formas, ensinou-me a ser crítica. (Carla Costa, 10º M)

Ajuda-nos a esclarecer dúvidas quanto ao que está certo ou o que está errado, a partir de situações e perspectivas que muitas das vezes não éramos capazes de nos colocar. (Carlos Nunes, 10º M)

Ajuda-nos a viver na sociedade, a ter a nossa opinião e a defendê-la. A filosofia serve para sermos Alguém. (Neuza Anjos, 10º M)

No meu caso, no início, não achava a filosofia uma disciplina interessante, nem motivante, nem que tivesse a ver comigo. No entanto, ao longo das aulas, fui notando que ao discutirmos problemas filosóficos, ao aprendermos a argumentar, a defendermos a nossa opinião, descobri que a filosofia afinal é importante. (Mariana Henriques, 10º M)

Dá-nos a oportunidade de nos exprimirmos sobre os assuntos que nos inquietam com imensas dúvidas e, que, por sua vez, nos intimidam por esse motivo. (Alexandra Campos, 10º M)

Permite-me ter uma mente aberta, permite-me ser melhor e acreditar que posso ser um ser humano melhor ao ouvir o que o meu amigo, colega, conhecido e desconhecido tem para dizer. O que cada um me transmitir irá ajudar-me a compreender o mundo, com a certeza de que cada um de nós, seres humanos, somos diferentes, e tanto podemos acreditar como discordar acerca do mesmo assunto. (Bianca Sebastião, 11º D)

A Filosofia está presente diariamente na minha vida, pois interrogo-me constantemente sobre determinados assuntos que não têm respostas óbvias, como por exemplo a existência de Deus. (Tatiana Brito, 10º K)

Após um ano como aluna de filosofia, posso dizer que todo esse percurso serviu para um desenvolvimento, não só como indivídua, mas também enquanto aluna, a nível da escrita e da maneira como exponho as minhas ideias. Como indivídua houve também crescimento enquanto cidadã quanto ao meu papel na sociedade. (Nicole Santos, 10º M)

A filosofia serve para lidar com questões que remotam ao tempo antes de Cristo e com as questões actuais que vão surgindo e são enfrentadas todos os dias, como por exemplo: será que Deus existe? (filosofia da religião), ou o que é a arte? (estética).
A filosofia ajuda-nos a tentar arranjar uma solução para estes problemas diários, dando assim hipótese às pessoas de verem outras perspectivas desses vários assuntos e de refutá-los. (Luís Antunes, 10º K)

É a influência da actividade crítica, transmitida pela filosofia, que nos impede de nos tornarmos dogmáticos. Questionando e refutando as opiniões, tornamo-nos seres mais esclarecidos. (Pedro Moniz, 10º M)

Ter opiniões próprias é uma das melhores características que uma pessoa pode ter, pela autonomia de conseguirmos formular opiniões e argumentos próprios sobre um problema. (Pedro Guerreiro, 10º M)

Sendo a Filosofia um meio de discussão crítica, penso que nos ajudará a desenvolver o espírito crítico e a sermos consequentes. (Jessica Pires, 10º K)

Posso dizer que, antes de entrar no secundário, não tinha quaisquer perspectivas ou noções acerca desta disciplina. Hoje, com pouco mais de um mês de Filosofia, consigo dizer sem qualquer dúvida que é uma disciplina interessante, que nos faz pensar por nós próprios sobre assuntos a que nunca demos importância. Para que serve a Filosofia? Pois bem, se não soubermos pensar por nós próprios, então também não iremos ser capazes de agir em muitas situações. (Carolina Reis, 10º M)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Elogio do livre pensamento (dedicado ao Rui Cunha)


“O bom senso é a coisa mais bem distribuída no mundo: de facto, cada um pensa estar tão bem provido dele, que até mesmo aqueles que são os mais difíceis de contentar em todas as outras coisas não têm de forma nenhuma o costume de desejarem mais do que o que têm.”


René Descartes, in O Discurso do Método

Hoje em dia, quase toda a gente se orgulha de ter opiniões. No nosso país, a generalização da liberdade de expressão conduziu a que todas as pessoas exijam ser ouvidas no que têm a dizer sobre os mais variados assuntos. Ora, a vontade de dar opiniões é uma coisa boa. O respeito pelas opiniões dos outros também. Mas há quem infira daqui a conclusão seguinte: se todos temos direito a ter opiniões, então todas as opiniões são igualmente boas. Penso que esta ideia é errada e perigosa.
É errada, porque do facto de termos o direito a algo não se segue que tudo o que fizermos no uso desse direito seja bem feito. Por analogia, isso equivaleria à afirmação seguinte: se todos os maiores de 18 anos têm o direito de conduzir, então todos os maiores de 18 anos conduzem bem. Como se vê, tal coisa não faz o menor sentido.
Mas esta ideia é também perigosa. Dizer que todas as ideias valem o mesmo é o mesmo que dizer que não vale a pena discutir seriamente nenhuma delas.  Precisamente porque valem o mesmo, confrontá-las deixa de fazer sentido. É paradoxal que um direito herdeiro da defesa da liberdade de expressão seja, desta maneira, transformado numa espécie de clorofórmio que adormece o espírito crítico.
São várias as consequências negativas deste equívoco. Uma delas é o facto deste “pântano” amorfo e acrítico poder transmitir aos menos atentos a ilusão perniciosa de que vivemos numa sociedade que valoriza o livre pensamento, o que está longe de ser verdade. Outra consequência negativa é a seguinte: ao confundirem o debate racional de ideias com uma inócua “troca de galhardetes opinativos”, muitas pessoas acabam por se dispensarem do que é essencial no debate de ideias: apresentar argumentos. Ora, da mesma forma que não há opiniões sem ideias, também não há discussão racional sem argumentos. Uma opinião tem a força dos seus piores argumentos, costuma dizer-se. Ocultá-los é uma desonestidade intelectual que choca com o dever ético de sermos verdadeiros numa discussão.
A adopção mais ou menos generalizada desta atitude pseudo-crítica é o habitat natural onde nascem e germinam os preconceitos. E não me refiro às crenças discriminatórias para com os que são diferentes de nós (racismo e xenofobia, por exemplo), mas a um tipo de preconceito menos visível e, por isso, socialmente mais virulento: as crenças que não submetemos ao crivo da avaliação racional. Neste sentido, uma ideia é um preconceito enquanto não for discutida abertamente sem reserva. Muitas das vezes, conceitos que se utilizam com frequência nas mais variadas discussões públicas não passam, de facto, de preconceitos, ou seja, de ideias que se aceitam por hábito, conforto ou pura preguiça.
É aqui que a filosofia tem um papel insubstituível na sociedade. Sócrates comparava-se a um “moscardo”, porque entendia que a sua função era fazer as perguntas incómodas que obrigavam a pensar. O Rui Cunha era um filósofo. Hoje, Dia Mundial da Filosofia, quero mostrar-vos como ele fazia com rigor e espírito crítico o que tenho estado a defender. Escolhi um texto seu sobre um conceito (preconceito?) muito utilizado no discurso pedagógico: o “facilitismo”. 
Leia-o em http://criticanarede.com/html/facilitismo.html


Obrigado, Rui, e até sempre.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Livre arbítrio: um texto já “clássico” de Fernando Savater

Vou contar-te um caso dramático. Já ouviste falar das térmitas, essas formigas-brancas que, em África, constroem formigueiros impressionantes, com vários metros de altura e duros como pedra. Uma vez que o corpo das térmitas é mole, por não ter a couraça de quitina que protege outros insectos, o formigueiro serve-lhes de carapaça colectiva contra certas formigas inimigas, mais bem armadas do que elas. Mas por vezes um dos formigueiros é derrubado, por causa de uma cheia ou de um elefante (os elefantes, que havemos nós de fazer, gostam de coçar os flancos nas termiteiras). A seguir, as térmitas-operário começam a trabalhar para reconstruir a fortaleza afectada, e fazem-no com toda a pressa. Entretanto, já as grandes formigas inimigas se lançam ao assalto. As térmitas-soldado saem em defesa da sua tribo e tentam deter as inimigas. Como nem no tamanho nem no armamento podem competir com elas, penduram-se nas assaltantes tentando travar o mais possível o seu avanço, enquanto as ferozes mandíbulas invasoras as vão despedaçando. As operárias trabalham com toda a velocidade e esforçam-se por fechar de novo a termiteira derrubada... mas fecham-na deixando de fora as pobres e heróicas térmitas-soldado, que sacrificam as suas vidas pela segurança das restantes formigas. Não merecerão estas formigas-soldado pelo menos uma medalha? Não será justo dizer que são valentes?

Mudo agora de cenário, mas não de assunto. Na Ilíada, Homero conta a história de Heitor, o melhor guerreiro de Tróia, que espera a pé firme fora das muralhas da sua cidade Aquiles, o enfurecido campeão dos Aqueus, embora sabendo que Aquiles é mais forte do que ele e que vai provavelmente matá-lo. Fá-lo para cumprir o seu dever, que consiste em defender a família e os concidadãos do terrível assaltante. Ninguém tem dúvidas: Heitor é um herói, um homem valente como deve ser. Mas será Heitor heróico e valente da mesma maneira que as térmitas-soldado, cuja gesta milhões de vezes repetida nenhum Homero se deu ao trabalho de contar? Não faz Heitor, afinal de contas, a mesma coisa que qualquer uma das térmitas anónimas? Porque nos parece o seu valor mais autêntico e mais difícil do que o dos insectos? Qual é a diferença entre um e outro caso?
Muito simplesmente, a diferença assenta no facto de as térmitas-soldado lutarem e morrerem porque tem que o fazer, sem que possam evitá-lo (como a aranha come a mosca). Heitor, pelo seu lado, sai para enfrentar Aquiles porque quer. As térmitas- soldado não podem desertar, nem revoltar-se, nem fazer cera para que outras vão em seu lugar: estão programadas necessariamente pela Natureza para cumprirem a sua heróica missão. O caso de Heitor é distinto. Poderia dizer que está doente ou que não tem vontade de se bater com alguém mais forte do que ele. Talvez os seus concidadãos lhe chamassem cobarde e o considerassem insensível ou talvez lhe perguntassem que outro plano via ele para deter Aquiles, mas é indubitável que Heitor tem a possibilidade de se recusar a ser herói. Por muita pressão que os restantes exercessem sobre ele, ele teria sempre maneira de escapar daquilo que se supõe que deve fazer: não está programado para ser herói, nem o está seja que homem for. Daí que o seu gesto tenha mérito e que Homero nos conte a sua história com uma emoção épica. Ao contrário das térmitas, dizemos que Heitor é livre e por isso admiramos a sua coragem.

SAVATER, Fernando (1993). Ética Para Um Jovem. Lisboa: Editorial Presença. pp. 21-22